Fui convidada para um evento fechado da Fiat no espaço da Bienal, com direito até a visita monitorada, numa "espécie de recorte", diziam as jovens artistas monitoras enquanto nos conduziam rapidamente pelos territórios ocupados, em aflição natural pelo pouco tempo concedido para tanto e tantas explicações,acreditadas necessárias.
Tenho uma certa implicância com vistas monitoradas (talvez arrogância disfarçada), mas nesse caso, a conversa franca e a entrega pueril das meninas, mais interessadas nas minhas observações deliberadas e olhares vagos ou atentos sobre as obras, me fez mudar de opinião. Mudar de lado é um fato curioso,e assustador: minha caminhada mais longa ,visível em meus pés de galinha, se contrapondo ao frescor e ilusão daqueles olhos jovens e esperançosos. E ao final a arte sempre ganha!
Confesso que mesmo participando há anos dos manifestos e exposições paralelas contrários, não a Bienal, mas às políticas culturais em geral ou da própria política de curadoria e afins da Bienal de arte, o espaço, o território "quase" livre, onde toda essa manifestação acontece me encanta.
Em particular pelo movimento do meu corpo, obrigado a se insinuar pelas rampas e platôs e pelos inúmeros corredores e labirintos, olhando o verde do parque através de tantas janelas....e desta feita, dois urubus solitários através das redes de proteção.
E confesso, agora mais intimamente, que independente do que que vou encontrar lá, sinto-me viva e feliz, e sinto a minha arte com mais força enquanto caminho distraída pelas instalações e discussões coloridas ou sombrias.
É preciso um bocado de distração para apreender a arte, acreditem, e não concentração como dizem por aí. Sem distração do espírito não somos capazes de acolher o que vemos e sentir algo ou não a respeito; é necessário que nos peguem distraídos.
Essa lascívia do corpo e da alma que o espaço branco me oferece é fascinante e já valeria a visita... e se Jorge de Lima inspirou, ao menos a proposta inicial, vale dar uma chance para a apreciação descomprometida e livre numa distraída alegria infantil.
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A 29ª Bienal de São Paulo (texto do site oficial da Bienal)
(...) É nesse sentido que o título dado à exposição, “Há sempre um copo de mar para um homem navegar" – verso do poeta Jorge de Lima tomado emprestado de sua obra maior, Invenção de Orfeu (1952) –, sintetiza o que se busca com a próxima edição da Bienal de São Paulo: afirmar que a dimensão utópica da arte está contida nela mesma, e não no que está fora ou além dela. É nesse “copo de mar” – ou nesse infinito próximo que os artistas teimam em produzir – que, de fato, está a potência de seguir adiante, a despeito de tudo o mais; a potência de seguir adiante, como diz o poeta, “mesmo sem naus e sem rumos / mesmo sem vagas e areias”.
Por ser um espaço de reverberação desse compromisso em muitas de suas formas, a mostra vai pôr seus visitantes em contato com maneiras de pensar e habitar o mundo para além dos consensos que o organizam e que o tornam ainda lugar pequeno, onde nem tudo ou todos cabem. Vai pôr seus visitantes em contato com a política da arte.
A 29ª Bienal de São Paulo pretende ser, assim, simultaneamente, uma celebração do fazer artístico e uma afirmação de sua responsabilidade perante a vida; momento de desconcerto dos sentidos e, ao mesmo tempo, de geração de conhecimento que não se encontra em nenhuma outra parte. Pretende, por tudo isso, envolver o público na experiência sensível que a trama das obras expostas promove, e também na capacidade destas de refletir criticamente o mundo em que estão inscritas. Enfim, oferecer exemplos de como a arte tece, entranhada nela mesma, uma política.
A entrada da Bienal é franca e funciona até 22h, termina em 12 de Dezembro.
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