Do livro Anáguas
Carta a um amante de qualquer época
Sempre me surpreendi com as pessoas que sentem solidão.
E, povoada como sou, me perguntei muitas vezes que solidão era aquela. Solidão de quê, de quem, de onde. Solidão não existe só.
Solidão não existe simplesmente.
Solidão de alguém, sim, faz sentido.
É diferente de saudade.
Solidão de alguém também não é precisar desse alguém. É mais, é querer estar com esse alguém e não poder.
É quando a gente passa a fazer parte do outro; corpo, alma, tudo fluindo naturalmente de uma existência para outra.
É só, essa minha solidão.
Solidão particular, solidão que não ganha a palavra. Não ganha um gesto solidário, porque que é órfã de reconhecimento. Fica ali, calada no peito, sem ação. Machucando.
Pode ser solidão acompanhada, quando ainda assim se permanece só.
É uma solidão que nos inspira doída, e faz a alma da gente aparecer.
Ficamos habitáveis.
Encontrei você.
Conheci a solidão.
Solidão de você.
Eu que não sabia perguntar, pedir, ou esperar. Não é da minha natureza... Nasci sem tato, sem traquejo para a vida crua, comezinha, para as estratégias.
Livre, sei pouco sobre os cárceres que costumamos nos impor quando amamos, mas sei agora que somos capazes de fabricá-los.
Minha natureza também não me permite deduções. Sou franca, inteira, pronta!
Mas essa minha solidão me fez deduzir ao invés de simplesmente perguntar... Imaginação mal aplicada.
Tão mais fácil seria perguntar, se as respostas não fossem tão difíceis.
A verdade sempre me seduziu. Mas hoje sei que a verdade é uma deferência, é só para quem a merece.
Gosto da verdade.
Não se deve dar peso ao que não tem, nem confundir leveza com inconseqüência.
Aprendi, e isso é o traço mais terrível de alguma maturidade: dar e tirar o peso quando isso se faz necessário.
Me encantava te encontrar.
Enquanto esperava sentia um desejo único. E quando contemplava seu rosto ,sentia minha infância voltar nos meus olhos, nos meus gestos. Ficava leve, fácil, sem dor, descomplicada...
Agora o constrangimento... de repente. Não sou convidada a sua vida, sou espectadora passiva, mas enfeitiçada e seduzida . Deslocada de você, que me é tão presente, que faz parte do que me tornei.
Acreditei que a melhor parte de amar era misturarem-se os dois. Incorporar qualidades, defeitos, manias, virtudes. Apoderar-se, gentilmente, das frases, das histórias, das memórias. Um consentir amoroso dos plágios mais ostensivos, numa forma de admiração mútua.
E o tempo foi passando...
Eu sempre intensa e você levemente preocupado.
Flanando sobre as frases, as confissões, sobre as minhas lamúrias. Sobre as perguntas que aprendi a fazer, as cobranças que não pude evitar.
E a solidão me alcançou enquanto você itinerava descomprometido, protegido de mim por outra vida.
Não sou moderna, por isso sou tão livre. Não tenho regras, não me imponho maneiras.
Eu me importo. Importo-me em compartilhar os dias, estes que são possíveis, visíveis. Amor é estrada de ida e vinda, é reação, é fazer planos, é ter expectativas.
Amar é ter esperanças. É ser cafona, antigo.
É acordar melhor, mais feliz. É gostar de acordar.
De repente fui arrebatada por essa solidão imensa.
E o amor que tanto me fragiliza também me fortalece memória eternizada.
Deduções... Enquanto sigo povoando novamente minha vida.
E um grande vazio vai se abrindo no centro do meu corpo, no lugar onde o meu destino reservou para a solidão de você.
Até nosso último ou próximo encontro. Até a lucidez finalmente ganhar também meu corpo e, tristemente, me esvaziar para sempre de você.
Maya
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