O Bolo
Sentia um peso inerente, fora dela, mas junto do corpo, colado à sua pele, parasita. Fazia-se sentir em intervalos .
Triste peso sobre as asas finas da Libélula, denso, espesso, amargo.
Maia doía.
Fez um bolo de maçã. Acalmou-lhe os gestos misturar os ingredientes. O cheiro bom da canela, das especiarias, envolveu a casa, a alma, e a neblina de sentidos anunciou-se redentora. Um bolo de maçã; e sua vida se enchera de graça, doce, de repente.
Ah, também havia as orquídeas! Floriram na madrugada e a fizeram feliz ao acordar. Brancas, perfumadas e, inacreditavelmente, de verdade. Tudo que parecia perfeito, não acreditava ser real de fato.
O peso... De onde veio, então, tanto peso? Talvez fosse um compromisso firmado entre seus fantasmas e outras sombras. Compactuaram em silêncio, absolutos. Secreto acordo de sofrimento, que se agarra aos pêlos, enlaçando os sentidos, inibindo os gestos, a intenção, o prazer de estar vivo, a certeza de existir. E o sabor, o sabor de existir.
Olhou pelo vidro do forno, iluminado pela pequena lâmpada, e viu que o bolo crescia. Sentiu uma alegria de criança. Sentou-se na cadeira de palhinha e ali, na escuridão da sala, fitou longamente a janelinha iluminada que vinha do fogão, e esperou. Esperou que o calor e a luz devolvessem os ingredientes transformados.
O peso foi desaparecendo, se dissipando naqueles vapores de aromas e pensamentos.
Não havia diferença entre o bolo de maçã e a sua vida.
Percebeu que não havia decisão a tomar sobre nada; a vida, através da luz e do calor, se encarregaria, naturalmente, de devolver seus temperos e especiarias, transformados. Nada havia a fazer, senão escolher as ervas certas, e no caldeirão, acrescentar amor,o mais poderoso fermento. Esperança e fé não poderiam faltar à mistura encantada.
A janela.
A janela iluminada sempre esteve ali. Bastaria olhar sempre na direção do sol e do calor e tudo sempre seria transformado.
O bolo de maçã ficou pronto.
Maia ficou pronta para abrir todas as janelas.
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