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segunda-feira, 18 de março de 2013

A Colcha de Cetim


A Colcha de Cetim

Havia cerrado os olhos e perdido os pensamentos para estranhos, enquanto ouvia ao longe a voz da professora. Estranhos sempre invadiam seus pensamentos algumas vezes no dia. E, apesar da pouca idade, Maya entregava-se e ...
se deixava desvendar por aqueles personagens desconhecidos. Um dia os chamaria de inspiração. Muito mais tarde os reconheceria como desejo.

A sineta dourada tocou abafada, sacudida pelas mãos gordas da diretora. Uma horda de pequenos atravessou os corredores estreitos do grupo escolar e, de repente, o portão desaguava crianças para os abraços, para as sarjetas, para as casas limpas e azuis, para as ruelas escuras e jardins secretos.

Foi subitamente atraída pela presença de um menino parado na calçada. Os cabelos eram louros e os olhos azuis muito claros iguais aos dos moradores do oratório da casa da avó. Lindos olhos parados sobre os seus.

Sentiu um tremor e uma excitação, perturbando-se com a sensação.
Menina ainda, seus medos, até então, resumiam-se aos gritos da professora de português, Maria Clarita, de olhos escuros arregalados e boca enorme. Gritava, rangendo os dentes amarelados, o que jamais conseguiria comunicar ou escrever, e amordaçava, com a sua estridência, qualquer gesto dos pupilos nessa direção. Com sorte, Maya esqueceria aquela voz e ouviria só a dos estranhos invasores da sua meninice, os vultos que a acompanhariam por toda a sua vida.

Desceu as escadas e foi apanhada pelas mãos da mãe. Fitou longamente os olhos azuis do menino para nunca mais esquecê-los, levando mais do que imaginara daqueles olhos infantis.
Atravessaram as ruas, andaram alguns quarteirões e, muitas calçadas depois, entravam em casa.
( ... )

Trecho do livro Anáguas -Adriana Florence.

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