Comunhão
"Atiro-me decidida sobre ele, num abraço grande, possessivo. Antropofágico abraço.
Nada de laços. Quero amarras, atos, atlas.
Geográfico abraço.
É mesmo intenção tomar posse, fincar as unhas e os dentes, feito moirão de sem-terra que, abandonados à beira da estrada, sós, decidem movimentar as vísceras, desenhar seus mapas.
Atiro-me sobre ele, voraz, como se ele fosse terra e não me importo com o romantismo de sementes, se é árido o chão, se é fértil. Sou posseira, carne, desejo sem limites, sem fronteira. Cepa de andanças milenares.
Nesse meu largo abraço nada tenho generoso, solidário, só meu abraço é grande, só minha fome generosa, crua, vasta, mal intencionada. Preciso devorá-lo, misturar os gostos, os cheiros, a textura das peles mortas pela fome da solidão do asfalto.
Ressuscito minha pele sobre a dele.
As peles ganham transparência, asas.
Quero falar a língua dos corpos, do meu e do dele, ligados pela fome um do outro. A fome reúne nossos restos, o que sobrou é alimento. Se há desejo justo, igual, a fome será saciada."
Comungo.
A semente ficou na terra, em minhas terras. Ele agora me pertence. É mais meu do que o era antes. Não mais reivindico terras, não mais espero faminta ao longo da estrada, tenho a fome saciada.
Devorei-o.
Bati minhas estacas, estiquei os arames, mas não há cercas. Surpresa; sei dos não limites dessa gleba. São terras, essas do desejo, que se expandem incessantemente. Hoje as terras dele me alcançaram. E, quando imagino possuí-las, sei, as minhas e as dele se fundiram e o dono do não limites, o amor, sitiou minha alma eternamente.
Do Livro Anáguas de Adriana Florence
Ilustrações- Adriana Florence- Série "Eróticos"
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