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terça-feira, 16 de outubro de 2012

A Viagem

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Sente-se estranha, e lá fora tudo lhe causa estranhamento. 
 Nunca soube como caber no mundo, e não se  surpreende.
Mas aprendeu a caber dentro de si, dentro de outros, de quem a reconhece.

Sua  lucidez foi desaparecendo com os desmandos do céu e dores da alma. Sente um certo  alívio,apesar da dor.
A vida continua em movimento, mas ela permanece  invisível por um tempo.
A cidade não se comove, nem se atreve.  Egoísta, permanece no seu caos proposital e irritante, empurrando a quase todos os anônimos para a promessa de um sucesso e felicidade enganosos.

Caos na cidade que não pára jamais... Tardes cinzentas e tensas escorrendo pelas sarjetas, pelas bocas de lobo, planos e sonhos fomentados e castrados. Bocas amordaçadas e pés cansados. A frieza objetiva faz com que se ambicione um lugar ao sol, mas jamais com que se aqueça a alma sob os seus raios.
Segue em sua marcha a procissão dos suicidas buscando aquilo que não puderam encontrar dentro de si mesmos.

Bastar-nos! Não um bastar egoísta, mas um querer bem a si mesmo por se entender a continuação do outro que se quer bem. Estar confortável dentro de si e ficar habitável para o outro.

A cidade que não dorme  se diverte com o mar de gente e espanto, mas despertou a ira dos anjos.
Amarrados aos mastros gritam contra os ventos e as ondas da tormenta.
Mar de gente. Mar de gente. Mar de gente.
Mar de anônimos flertando, sem se perceberem em perigo, com o outro lado do rio, esperado o barqueiro.
Esperando, esperando, esperando...as moedas acumuladas ao longo do tempo, prontas para Caronte.

Vestido de negro , vai se aproximando, exibindo abotoaduras cravejadas de brilhantes, chapéu de três pontas. Nas suas mãos os contratos, escrituras, vaidades, razões,dinheiro, sucesso , poder...a paga angariada para a travessia. O resto ...vaga desolado pelas margens.

 Entram, uma  a uma,  sem pensar, e se acomodam junto à proa de laca decorada por grifos esmaltados... e vão fechando seus olhos para o passado.
As aflições e ambições, e suas almas, vão se diluindo misturadas as neblinas finas que evolvem sua última viagem.

Ela, de mãos dadas com Orfeu,permanece invisível.

( ... )
  

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