"Havia pouca luz no térreo naquela madrugada fria.A galeria parecia assombrada pelos personagens dos quadros espalhados por todas as paredes.
Um perfume estranho, adocicado, pairava no ar. Era o incenso dos templos budistas que cercam, como numa fortaleza, os quarteirões do bairro. Um bairro budista, eu diria. Bandeiras coloridas e lilases por toda a parte. E o cheiro do incenso;de jasmim, de almíscar, de cravo, de especiarias diversas.
Viviam imersas, ela e a vizinhança desconhecida, nesses perfumes distantes, e distantes, também, uns dos outros. Era como viajar num tapete voador, olhando do alto os desertos, as fronteiras de areia fina, os oásis e as mesquitas, os panos coloridos. Via-se, num fechar rápido de pálpebras, os pigmentos espalhados pelos terraços e os tapetes nos teares, esperando para serem tingidos.
As mulheres atormentadas pelo vento que teimava em espalhar aquele pó colorido no ar. Um oriente ensolarado e quente, sedutor, despudorado, lascivo e pulsante... lá fora.
Dentro, o frio da espera e a impossibilidade de alcançar quem era. A impotência diante daquelas infinitas memórias emprestadas dos livros e fotografias alheias.
Era sexta-feira.A cidade dormia e, dormindo, era inocente. Cidade calada.
Cidade velada por ela,por tantos insones, os anjo da noite. (...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário