Hoje acordei com muita febre.
Espero que minha gripe seja tupiniquim mesmo. Com tantos escritores, mitos e artistas muralistas fantásticos no México, odiaria importar, ao invés de Frida, Rivera ou Siqueiros, um vírus que nasceu suíno e mexicano oras.
E assim, febril, resolvi escrever sobre um assunto recorrente, quase banal, não fosse essa incapacidade que temos em fazer parar de sofrer os nossos corações. Seja por um amor inatingido, encontrado ou perdido, seja pela alegria cautelosa que sentimos ao fazer mergulhos, sempre pessoais, mas atribuídos aos outros, em nossos próprios abismos.
Meus abismos são meus conhecidos, velhos amigos. Geralmente me socorrem mais do que me maltratam. Uma espécie de algoz salvador de braços abertos a minha espera. Quase masoquismo de minha parte, aceito. Mas sem eles me sentiria perdida em meio às soluções de mulher bem resolvida, coisa a que tenho verdadeiro horror. Seriamos insuportavelmente chatas se fossemos bem resolvidas. Adoro o caos que se instala com freqüência, emergido como lavas incandescentes dos meus abismos. Magma enfurecido que me acorda sempre que a vida parece "normal", aceitável... Banal. Magma que me forja melhor.
Temo que um dia me transforme em cinzas, ainda em vida. Mas se isso acontecer ressurjo triunfante que nem Fênix, e viro personagem de mim mesma. Melhor, acredito, que ser banal.
Todos passam pelos amores, ou eles passam por nós. Podemos decidir ficar e trazer para a vida prática, vivê-los na matéria. Porque há diferença entre amar e em viver um amor; pode acreditar. Após certo tempo de caminhada, temos mais capacidade para fazer escolhas... Será? Vou vivendo acreditando nisso, por enquanto.
Quando esse "grande amor" passa, termina ou é terminado, sofremos uma embriaguez, de sentimentos, memórias e emoções que vêm, ao mesmo tempo, à tona. E embriagados pela nossa dor fazemos o tal mergulho. E sempre, sempre voltamos para a superfície, banal e segura.
Quando nos relacionamos fazemos parte de um tipo de pacote. Um pacote que contém um determinado tempo da vida do outro e com seus personagens, é claro. Nele estão as coisas boas, felizes, eróticas. Mas também está tudo que o outro, quando decide mudar,ou nos abandonar, quer esquecer.
Isso acontece com amantes, amigos, irmãos. O passado, quando incomoda, é lavado, e acabamos descendo nessa enxurrada galeria abaixo. A maioria das pessoas quando quer deixar uma parte da vida para trás, acaba por deixar tudo que a faz lembrar essa vida. Somos, então, culpados pelo que o outro fez com seu tempo, com suas memórias, com sua vida. E não somos consultados sobre isso. Somos esquecidos juntamente com o pacote e a nós é atribuída parte do fracasso que é deixado para trás.
Resta compreender que não há traço de desamor ou ingratidão... Talvez uma covardia infantil. Nem todos se fortalecem com suas histórias. Nem todos são capazes de separar joio de trigo. E nem sabemos se nessas memórias somos um ou outro.
Resta uma aceitação. Há gente cujas terras estão áridas, ou aradas demais, ou sedimentadas demais. Terras onde não há indício de movimentos importantes, sem o magma quente impulsionando à vida. Há gente morna... e feliz.
Que sejam plácidas, pois. Seremos o que devemos ser.
Resta um contemplar das diferenças e um cadinho para que não percamos nossa parte nessa história, para que não percamos nossas memórias e para que não seja preciso esquecer nossos dias, felizes ou dolorosos. Cada pessoa leva sua porção e faz o que achar que deve com ela. Alguns semeiam, outros colhem...
A minha parte jogo no meu abismo salvador e aguardo que no calor do centro da minha terra, retorne transformada e me torne capaz de ser mais feliz e, até quem sabe, me dê um pouco mais de sabedoria.
E permaneço com febre.
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